14/12/2012

A infância de Jesus, de Joseph Ratzinger/Bento XVI

Lisboa: Principia, 2012, pp. 112, 11,90€

Aos seus 85 anos, o Papa Bento XVI completa a sua trilogia que medita sobre a vida de Jesus de Nazaré. Cada volume pode ler-se independentemente, mas em particular esta terceira entrega está dedicada a um universo muito diferente dos anteriores: a infância de Jesus, separada por uns 20 anos do resto da sua vida. E também porque o livro é descrito pelo autor como um «pórtico» dos outros dois volumes.

Para aqueles leitores que se deixem levar pelos preconceitos duma certa comunicação social, é preciso dizer que a narrativa é perfeitamente compreensível e singela. Será esta talvez a maior virtude dum sábio: dizer coisas muito profundas duma maneira tão simples que cada um se sente interpelado ao seu próprio nível.

A chave de leitura, com efeito, é a necessidade de confrontar-se com os conteúdos apresentados. Como o autor refere no seu prefácio, estuda-se antes de mais uma componente histórica dos textos que nos falam de Jesus, mas há depois uma segunda série de interrogações a colocar: «o que foi dito é verdade? Tem a ver comigo? Se sim, de que modo me diz respeito?». Eis a riqueza da leitura!

04/12/2012

Nos Idos de Março (The Ides of March)

George Clooney, 2011

George Clooney, que costuma ser pretensioso e depois desiludir expectativas, dirige esta longa-metragem com mais discrição do habitual. Desta maneira, consegue que o verdadeiro protagonista não seja ele próprio, no papel dum governador na carreira a candidato democrata para as eleições americanas, mas sim um dos seus assessores de campanha, o sublime Ryan Gosling.

Gosling, que aparece nas primeiras cenas do filme como um idealista que acredita na política e nas suas opções, cai na armadilha dos seus próprios princípios: numa dada altura, acusa a uma estagiária de ter errado e por isso pede-lhe para sair da equipa; na cena seguinte, é ele próprio a ter de reconhecer que também cometeu um erro... Abrem-se muitos pontos de reflexão, que o próprio filme não fecha nem sequer quando chegam os títulos de crédito (e talvez por isso seja um final muito bem conseguido).

Dentro dos limites duma determinada visão política (verde, anti-bélica e anti-religiosa), a virtude do filme é fazer-nos entrar um pouco naquele mundo das primárias americanas, para um europeu geralmente desconhecido, colocando questões morais interessantes. Isso, para além dum elenco de luxo, alguns bons pormenores de realização e uma montagem e ritmo narrativo excelentes.

15/11/2012

À espera de Moby Dick, de Nuno Amado

Lisboa: Leya, 2012, pp. 243, 14,50€

Não é muito comum encontrar um romance contemporâneo em português com um subtítulo tão comprometido como este: «Um homem em busca de si próprio». O seu autor, nascido em 1978, não tem a pretensão de chegar a ser número 1 de vendas, mas a sua tentativa de explorar a psicologia duma perda assume aqui um empenho humano de algum interesse.

A obra narra um percurso humano de descoberta de si próprio, numa situação de crise e dum cativante radicalismo. Desde a primeira página, em que o narrador anuncia quase contrariado: «Não me vou matar», acompanhamo-lo até à descoberta de «sete biliões de motivos para não me matar», que seriam equivalentes ao número de habitantes do mundo.

Entretanto, tenta envolver-nos numa singela fuga de «aquilo-que-aconteceu», num mundo em que todos fogem dalguma coisa. Ao leitor, uma provocação: anda também a fugir de si mesmo? E há alguma razão para continuar a esperar?

08/11/2012

César deve morrer (Cesare deve morire)

Paolo e Vittorio Taviani, 2012

«Desde que encontrei a arte, a minha cela tornou-se a minha prisão». Assim diz um dos presos que teve a oportunidade de representar a tragédia de Júlio César na prisão de Roma, tema deste filme. No princípio da história, reclamava o seu direito a uma cela individual; já no final, reconhece que a arte o tinha aberto ao mundo.

É um filme estranho este. Por uma parte, dominam-no uns belíssimos textos da tragédia Julius Caesar de Shakespeare, encenados num contexto actual de grande força e que suscita muitas provocações, realizados numa sequência a três tempos e sem tempo (isto é, no tempo de César, de Shakespeare, dos presos, de ninguém...). Por outra parte, a escolha dos actores/presos, assim como o uso do preto e branco na maior parte do filme, criam distâncias muitas vezes de grande violência para o espectador.

É uma interessante experiência. Sem dúvida, de alguma forma relacionada com o maravilhoso documentário «Jesus por um dia», de Verónica Castro e Helena Inverno, duas portuguesas que filmaram a encenação duma Via Sacra por parte dos presos de Bragança numa aldeia transmontana quase desabitada.

A ligação entre os textos originais e o contexto apresentado desperta inúmeras questões sobre a justiça, a redenção, o poder, o valor da arte. Todas elas valem a pena.

12/06/2012

Duas vidas e um rio (A river runs through it)

Robert Redford, 1992

Brad Pitt, aos seus só 29 anos, é a metade deste filme. A outra metade é o menos conhecido Craig Sheffer, seu irmão nesta narrativa de ficção (embora baseada numa autobiografia real). Os seus percursos e a relação entre ambos, desde a infância até à madurez, fazem deste filme um belíssimo canto à família e à amizade entre irmãos.

O mais velho dos irmãos, Norman, de cabelo escuro, cresce seguindo os passos do pai, um pastor protestante muito humano e pouco moralista, e chega a ser professor universitário, ao passo que se debate numa relação de amor genuína que o levará ao casamento. O mais novo, Paul, de cabelo loiro, pelo contrário, é uma espécie de «rebelde», inconstante, que se contenta com trabalhar no jornal local e com relações sentimentais mais esporádicas.

Mas numa relação verdadeira entre irmãos e com os pais, cada um deixa espaço para que o outro seja ele próprio e assim realize a sua vida. Como numa das muitas cenas em que vão pescar ao rio, na qual o Norman não está a pescar nada e o Paul afasta-se, para que o primeiro consiga descontrair e com maior liberdade encher também o seu cesto. A fim de contas, no rio há peixes para saciar a todos...

31/05/2012

Conta comigo (Stand by me)

Rob Reiner, 1986

Numa aldeia dos Estados Unidos mais ocidentais, um grupo de quatro amigos pré-adolescentes vivem um fim-de-semana daqueles que todos idealizamos com nostalgia no fim da nossa infância. São quatro personagens quase estereotipadas: o duro, o sensível, o extravagante e o medricas – como cada um de nós era ou podia ter sido naquela mesma idade.

A história desenvolve-se quando se aventuram na procura dum adolescente desaparecido, naquela de «brincar aos crescidos» e tornar a casa como heróis. Com enorme ternura, Reiner descreve as peripécias do grupo, desde as pequenas rivalidades e lutas pela afirmação de si próprios, aos mais divertidos momentos em que «quebram as normas» fumando pela primeira vez ou dizendo palavrões.

A principal beleza desta descrição não é um vago sentimento por esse passado, até porque a história desenrola e torna-se também séria e enredada. Essa beleza está, pelo contrário, na ideia que o título acertadamente aponta: no meio de todas as aventuras, vê-se e é possível contar com esses amigos, existe a possibilidade duma fraternidade e duma solidariedade, tão reais como desejáveis ao longo de toda a vida.

18/05/2012

Cartas a um jovem católico, de George Weigel

Coimbra: Tenacitas, 2012 (2005), pp. 256, 18,50€

«Basta ver um cartaz de cinema, entrar numa livraria ou ligar a televisão para nos apercebermos da imensidade de propostas eclécticas e confusas da cultura actual. Naturalmente, no melhor dos casos um jovem dos nossos dias só pode ficar perplexo e desorientado. Ou, no pior, céptico e prisioneiro de uma mentalidade comum tão informe quanto uniformizada.

»Apesar de tudo, a maior parte dos jovens portugueses do início do século XXI recebeu uma iniciação na fé católica e porventura reconhece-se explicitamente como católica. É principalmente a eles que se dirige este livro, sejam praticantes ou não, tenham mais ou menos dúvidas, tenham ou não participado alguma vez nas Jornadas Mundiais da Juventude.

»A cultura católica continua também hoje a propor-se como alternativa a essa grande confusão em que vive o homem contemporâneo. Não como mais uma alternativa a escolher entre as muitas, mas como algo tão fascinante, misterioso e totalizador que desperta um interesse nunca antes imaginado. Poderíamos dizer, com uma imagem, que se propõe como aquele primeiro amor, genuíno e puro, que faz com que todos os outros pretendentes à conquista do próprio coração sejam desclassificados de imediato» (Do Prefácio, por Luis Miguel Hernández).

09/05/2012

Vários artistas, U2's Achtung Baby tribute (2011)



Quem não se lembra da mudança de estilo que significou o álbum Achtung Baby na carreira dos U2? Para alguns, essa passagem a uma maior maturidade foi difícil de digerir, mas para a maior parte dos seus seguidores foi a transformação dum gosto numa paixão.


Em 2011, 20 anos depois desse lançamento, com mais 5 álbuns de estúdio e uma percurso de sucesso mais do que consagrado, alguns nomes famosos se juntaram para celebrar e recrear aquele que é considerado por quase todos um marco da música pop/rock. Depeche Mode, Garbage ou Patti Smith retomam o lado mais escuro e inovador da banda irlandesa, enquanto The Fray, The Killers ou Snow Patrol destacam pela aposta nos tons mais comerciais e tradicionais.

Para quem já conhece de cor estas músicas e as suas letras, esta proposta oferece a beleza de algo antigo misturado com algo novo.

28/04/2012

Margarita e o Mestre, de Mikhail Bulgákov

Lisboa: Relógio d'Água, 2007 (1966), pp. 366, 25,00€


«Um facto, como se costuma dizer, sempre é um facto, e não se pode virar-lhe as costas sem explicações». Até quando estes factos são tão extraordinários como os descritos neste romance, que demorou mais de 10 anos a ser escrito e foi publicado só 20 após a morte do seu autor. Factos que implicam o próprio Diabo, acontecimentos trágicos na Moscovo dos anos 30, Pôncio Pilatos e um tal Ieshua Ha-Nozri.


Sobretudo na primeira parte do livro, destaca-se a força manipuladora do poder estabelecido: com efeito, todas as personagens que se confrontam com estes factos e se implicam neles são postas num manicómio. Há milícias, delatores, guardiães, que se esforçam em manter a ordem que tais factos quebram, e que portanto eliminam ou limitam a liberdade daqueles que os presenciam.

Na segunda parte, que focaliza as personagens que dão título ao romance, esse tema deixa espaço à liberdade em acção de pessoas irredutíveis, à tenacidade de quem não se contenta com o que é politicamente correcto, mas alimenta grandes desejos ideais. Todo um desafio para a Rússia de Estaline e para a Europa do século XXI.

21/04/2012

Doutor Jivago, de Boris Pasternak

Lisboa: Sextante Editora, 2010 (1957), pp. 562, 29,90€

Um dos grandes romances da literatura do século XX, um dos grandes romances russos de sempre: um clássico.

A um leitor ocidental contemporâneo chama a atenção a grande quantidade de personagens do romance (algumas edições até contêm um índice de nomes). São centenas deles, cada um com nome, apelido e patronímico, cada um com a sua história, com o seu percurso de vida único e irrepetível. Como os numerosos comboios do romance, cada um com o seu itinerário e as suas paragens, com o seu destino.

De facto, este parece o tema predominante do romance, além das histórias pessoais dos seus protagonistas principais, humanas e fascinantes. Num contexto de socialismo, de estatalismo uniformador, de colectivização e de alienação do indivíduo, Pasternak faz emergir o «eu» de cada ser humano, na sua maravilhosa unicidade. E faz perceber como é a pessoa quem protagoniza a história, e não os sindicatos, a Revolução de Outubro ou o regime soviético.

Com uma visão muito afastada de qualquer moralismo ou lógica do sucesso, Pasternak apresenta, de facto, uma realidade cativante que produz a adesão simples aos factos, à vida. Não é por acaso que a tradução literal do apelido do protagonista, Jivago, significa «o vivente».

18/04/2012

O lado longínquo do mundo (Master and comander)

Peter Weir, 2003

Um navio inglês percorre os mares da costa do Brasil e das Ilhas Galápagos no início do século XIX, desafiando as condições meteorelógicas e, sobretudo, o barco inimigo das frotas francesas de Napoleão. Não é só necessário defender a própria vida, mas também uma missão: «Este barco é Inglaterra», chega a dizer o capitão num dos seus discursos à tripulação.

Neste contexto, o bom ritmo do filme leva-nos a viver numerosas aventuras no estilo próprio da época. Mas o fascínio desta viagem provém principalmente do seu capitão, muito bem interpretado por Russell Crowe. Dá vida e fundamento ao filme a sua forma de governo, que valoriza os talentos de cada um dos seus homens, que ajuda a crescer a cada um à sua maneira, que se mostra sempre viril nas suas decisões, que por vezes vive o drama das escolhas responsáveis, e que sempre tem como prioridade a coesão dos seus homens.

Vê-se assim que é sempre necessário um capitão, alguém a quem seguir, mesmo (ou sobretudo) nas contrariedades.

29/03/2012

East of Eden (A leste do Paraíso)

Elia Kazan, 1955

Baseado na parte final do romance do Nobel da Literatura John Steinbeck, o primeiro dos filmes protagonizados pelo mítico James Dean é justamente considerado um clássico do cinema. Numa revisitação da história de Caim e Abel, lê-se entre as linhas o tema dum irmão que «mata» o outro e é condenado a viver errante, nas terras «a leste do Paraíso» (Génesis 4).

A tendência moralizante e moralista de Steinbeck é balançada nesta versão para ecrã pelo realizador Elia Kazan, quem pelo contrário prefere questionar uma visão simplista dos «bons» contra os «maus» da fita, e prefere colocar-nos perante personagens fortes, indomáveis, contraditórias.

Diz-se que Kazan teria querido Marlon Brando no papel desempenhado por Dean, e de facto é esta a personagem mais valorizada no filme, aquela que se faz amar mais. Levados também pela namorada dividida entre os irmãos, somos atraídos por este homem a um tempo perigoso e frágil, juvenil e violento, inadaptado.

Apesar do desenlace forçado, ficam no espectador algumas questões abertas sobre uma América que vive sustentada por aqueles que não acreditam nos seus ideais e, mais particularmente, sobre os indivíduos que não encontram lugar certo numa sociedade em crise de valores.

23/03/2012

Na origem da pretensão cristã, de Luigi Giussani

Coimbra: Tenacitas, 2012, pp. 138, 15,00€

Este é o segundo livro duma trilogia conhecida como o «PerCurso», da qual O sentido religioso era o primeiro. Aquele falava do homem e da sua abertura ao mistério, enquanto que este dedica a sua atenção à pessoa de Jesus Cristo e à pedagogia da revelação cristã.

O termo «pretensão» que o título inclui deve ser bem entendido: ao contrário do que possa aparentar, é a falta de pretensiosismo que caracteriza a exposição do autor. Não se trata portanto de pretender impor a visão cristã do homem, da vida e do mundo, mas de compreender qual é o horizonte ideal a que pré-tende a proposta integral do homem Jesus de Nazaré.

Fora deste texto, o autor disse numa ocasião ao descrever essa origem do cristianismo como acontecimento: «o acontecimento não identifica somente uma coisa que aconteceu e com a qual tudo teve início, mas é aquilo que desperta o presente, define o presente, dá conteúdo ao presente, torna possível o presente. (…) Fora deste ‘agora’ não existe nada! O nosso eu não pode ser movido, comovido, ou seja, transformado, a não ser por uma contemporaneidade: um acontecimento. Cristo é algo que me acontece agora».

15/03/2012

Cartas ao Pastor Jaakob (Postia pappi Jaakobille)

Klaus Härö, 2009

Certo: não aparenta prometer muito um filme finlandês com praticamente só três personagens, com o orçamento e efeitos especiais deste blog, com uma «banda sonora» composta por breves fragmentos dum nocturno de Chopin, e com uma trama que se pode resumir em 3 linhas.

Ainda assim, a história que une um pastor luterano cego, uma ex-presidiária e um carteiro, tem uma sua força humana que convence. Em pouco mais de uma hora, faz-nos entrar num mundo desconhecido, cheio de emoções quase sempre reprimidas. O mérito da realização é fazê-las ver e compreender, quase com mais clareza ao espectador do que às próprias personagens.

O tema principal questiona o papel do Pastor (no concreto, deste limitado Pastor Jaakob), cuja missão parece esgotar-se quando deixa de receber e enviar cartas de conforto e ajuda a seus seguidores. Aqui vê-se que não se trata dum padre católico (que encontraria sentido ao seu ministério também sem um «povo»), mas da visão luterana do pastor como representante da comunidade que vive em função da mesma. Por isso, em última instância, essa missão entra em crise.

Talvez valha mais a pena deter-se na personagem de Leila, cuja história parece secundária a esta, mas acaba por mostrar-se ainda mais humana e completa.

29/02/2012

Esplendor na relva (Splendor in the grass)

Elia Kazan, 1961

O título deste filme vem duma das mais famosas e belas poesias do escritor do Romantismo inglês William Wordsworth, citada no próprio filme: "Though nothing can bring back the hour of splendour in the grass, / of glory in the flower, / we will grieve not, / rather find strength in what remains behind".

A beleza deste filme é que encarna duma forma poderosa e profunda esta expressão duma experiência perfeitamente humana: a perda da pureza do primeiro amor, da juventude, da inocência própria do coração sincero. Após uma primeira apresentação duma situação quase idílica, o drama da vida toma o leme na vida dos jovens namorados Bud e Deanie (Warren Beatty e Natalie Wood, no seu melhor).

Recebeu o Óscar ao melhor argumento (quando esses eram prémios sérios), porque a narração, elaborada de forma genial, leva-nos a acompanhar as vidas destes jovens com grande força emotiva e, num inesperado percurso, deixa-nos uma certa inquietação: será que realmente podemos encontrar força só no passado, renunciando no presente aos grandes ideais da juventude?

17/02/2012

Autobiografia (Autobiography), de G. K. Chesterton

Lisboa: Diel, 2012 (1936), pp. 394, 21,00€

«Curvando-me em cega credulidade, como é meu costume, diante da mera autoridade e da tradição dos mais velhos, supersticiosamente engolindo uma história que eu não posso testar no momento por experiência ou julgamento privado, sustento firmemente a opinião segundo a qual eu nasci em 29 de Maio de 1874, em Campden Hill, Kensington».

Com típica ironia, Chesterton começa assim a sua Autobiografia, um finíssimo trabalho de lírica e juízo cultural sobre a sua época. Em cada página há um aforismo que valeria a pena citar: ao tratar da sua infância nos dois primeiros capítulos, afirma que «o que é maravilhoso da infância é que nela tudo é uma maravilha»; ou, um pouco depois, que «a adolescência é algo complexo e incompreensível; nem depois de a viver se percebe bem o que é»; etc. etc.

Jornalista e polemista, e escritor de romances, teologia, biografias, ensaios, contos, crítica, poesia e até teatro, é uma figura chave do pensamento contemporâneo. Para os católicos, também é um daqueles convertidos que ajudam a apologética – o que o próprio autor faz no fim deste volume ao narrar a sua conversão.

08/02/2012

Pablo Alborán, En acústico (2011)

Nascido em 1989, Pablo Alborán é um daqueles artistas com talento que sobressai com originalidade no panorama musical actual. Com um único disco de estúdio e este ao vivo, ainda não foi «contaminado» pela indústria musical de carácter mais comercial, embora o seu enorme sucesso leve a pensar que assim poderá acontecer em breve.

As chaves deste talento podem resumir-se em três: uma voz que parece um violoncelo (Stradivarius), uma musicalidade livre com certas influências do flamenco, e uns textos pensados, elaborados, que narram sentimentos além da superficialidade a que estamos habituados. Por isso, esta versão acústica e ao vivo, com escassa produção, mostra ainda melhor a grandeza deste jovem compositor e cantor.

Um exemplo de texto: «Hoy se viste el día de colores; / me levanto lleno de alegría; / hay miles de promesas sin cumplir, / ya ves, pero mira, sigo estando aquí (Volver a empezar).

Em Portugal, este álbum foi número 1 de vendas no início de 2012, e uma sua música com a fadista Carminho deu-lhe uma grande popularidade.

30/01/2012

Liberdade (Freedom), de Jonathan Franzen

Lisboa: Dom Quixote, 2011 (2010), pp. 688, 25,00€

Este romance americano é apresentado por alguns como uma obra-prima do século XXI. É sem dúvida interessante. Sobretudo, porque explora os temas que sempre interessaram a América do Norte (e no fundo a todos nós), no contexto actual. Principalmente se questiona o tema do próprio título: até que ponto as liberdades individuais, que estão nas raízes da mentalidade americana, podem ser postas em discussão em prol do bem comum.

Não pensem que é um livro maçudo e intelectual: é grande, mas é muito ligeiro e lê-se muito bem. Narra-nos as histórias de vários membros de uma família e alguns seus amigos, histórias entrecruzadas que vão e voltam como acontece em qualquer uma das nossas vidas. Está construído numa sequência temporal muito inteligente, que consegue mostrar as últimas décadas do século passado até ao início da «era Obama». Mantém-se também mais ou menos imparcial no que diz respeito a opiniões políticas, só usadas como provocações ao leitor.

Desperta mais perguntas e reflexões das que consegue responder, de maneira que as nossas expectativas podem ficar um pouco desiludidas. Mas também pode ser essa a grande virtude do romance: obriga-nos a sermos nós a pensar.

17/01/2012

Andante festivo para cordas, de Jean Sibelius (1938)

«Esta obra é uma pequena jóia, bastante desconhecida mas duma clareza, duma simplicidade sem pretensões, duma frescura pouco habituais. É uma composição que, ouvida pela primeira vez, chama a atenção, mas é nas seguintes audições que se chega a apreciar na sua beleza.

«O compositor desta maravilha em miniatura é o finlandês Johan Julius Christian Sibelius, mais conhecido como Jean Sibelius. Viveu entre os séculos XIX e XX (1865-1957) e, a pesar da sua ascendência sueca, foi profundamente amnate da Finlândia, das suas paisagens e gentes, algo que plasmou em toda a sua obra.

«Também neste Andante festivo para orquestra de cordas. A pesar da sua aparente simplicidade, a gestação desta peça durou mais de 15 anos, e há estudiosos de Sibelius que a colocam até 30 anos antes da sua estreia na forma definitiva. Seja como for, a beleza desta música de só 4 minutos e meio é indubitável. As tensões que cria são resolvidas em cada instante, aprofundando assim a sua clareza, à qual contribui a construção da mesma apoiada numa célula rítmica de pergunta-resposta».

(Por Ángel Cebolla)

09/01/2012

Drive – duplo risco (Drive)

Nicolas Winding Refn, 2011

Este filme abre com uma perseguição que já se tornou um clássico na indústria cinematográfica, por ser a mais lenta da história dos filmes de carros. Em lugar da típica corrida que deixa atrás camiões e polícias acidentados, o protagonista de Drive desliga os faróis, encosta e deixa passar o perigo. Depois segue.

A história é algo mais típica: um operário duma oficina, que à noite trabalha sem escrúpulos como transportador de delinquentes, e que numa dada altura se deixa envolver emotivamente por uma mãe em perigo. Ainda assim, o argumento tem a capacidade de nos surpreender em vários momentos.

Depois, temos a brilhante interpretação de Ryan Gosling, cuja misteriosa personagem não deixa de nos inquietar com os seus silêncios. Ao mesmo tempo, esses silêncios permitem também uma das mais belas cenas de amor sem palavras (e sem sexo) das últimas décadas.

Também a banda sonora de Cliff Martínez é notável. Ajuda a criar e manter a tensão desses silêncios, e depois acrescenta uma belíssima estética dos anos 80 com alguns temas de valor, como os oferecidos pelos Electric Youth ou por Desire.