28/01/2010

As dez figuras negras (Ten little niggers), de Agatha Christie

Lisboa: Asa, 2003 (1939), pp. 192, 10,00€

Quase não precisa apresentação uma escritora tão popular como Agatha Christie. Provavelmente todos os meus leitores terão lido algum dos seus romances ou visto algum dos filmes inspirados neles.

Pela primeira vez sem Hercules Poirot ou Miss Marple, ou qualquer outro detective, As dez figuras negras é talvez a história mais engenhosa e intrigante da Autora. Não há nenhuma personagem a descobrir o difícil desenvolvimento da tragédia: numa ilha incomunicada, dez pessoas acusadas de assassinatos e nunca condenadas são mortas uma a uma. O assassino deve ser um deles, e é o próprio leitor que elabora as suas suspeitas, sempre frustradas pelo capítulo seguinte.

Ao contrário de muitos outros thrillers, a tensão deste romance cresce com o desenrolar da história, e as últimas páginas parece que nunca mais nos dão a resposta que esperamos.

É claro que não podemos pedir mais do que isto a uma escritora popular como Agatha Christie, mas é algo diferente dos habituais best-sellers americanos do quiosque do aeroporto.

18/01/2010

Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar?, de António Lobo Antunes

Lisboa: Leya, 2009, pp. 375, 18,00€

Deixando de lado as recensões e críticas a esta obra para quem goste de erudição, para o leitor comum este livro propõe um mergulho numa experiência de vida. Não é imediato compreender como isto acontece, mas basta deixar-se levar, sem essa pretensão. Um pouco como dizia John Keats em relação à poesia: é como mergulhar num lago, sem a preocupação de chegar à beira.

De facto, a escrita de António Lobo Antunes é provavelmente a mais genial que exista neste momento em língua portuguesa. E, se no princípio custa um pouco sair da gramática e pontuação habituais, depois de algumas páginas perguntamo-nos como será aborrecido e já sabido ler no estilo tradicional...

A sua força e a sua debilidade é ser um romance sem história (sem plot, na terminologia inglesa): personagens congelados em fotografias que reúnem passado, presente e futuro; ambientes facilmente reconhecíveis; a beleza e o sofrimento ligados aos mais comuns sentimentos humanos. «Talvez fosse a que perseguimos desde sempre e estava ali à mercê, se torna ela mesma os passos e as vozes, afinal recuerámo-la», esta experiência vital: «são pessoas, episódios, lembranças, o sótão poeirento que compõe uma existência» (p. 356).

16/01/2010

A estrada (The road)

John Hillcoat (2009)

Já comentada na sua versão literária, de autoria de Cormac McCarthy (ler), a versão cinematográfica de A estrada deixa uma impressão muito semelhante a quem se abeira dela.

Num ritmo trepidante e cheio de efeitos visuais e sonoros próprios do thriller, esta versão é também um elogio poético à fotografia cuidada e precisa, aos diálogos tendencialmente fiéis ao texto e à música bem escolhida.

Obviamente, um filme é sempre mais explícito do que um texto literário, e por isso confirma-se o habitual lugar comum: perde-se alguma parte do mistério e do fascínio ao ver o que no livro só podemos imaginar. Mas não é este o único limite da longametragem: também observamos um ênfase no aspecto mais sentimental da narração e uma perda da crueza a que McCarthy nos tem habituados.

Ainda assim, vale a pena destacar as óptimas interpretações e a fidelidade no conjunto a uma história fascinante, de conteúdos muito positivos e de humanidade invulgar.

02/01/2010

António Vivaldi, Concerto para quatro violinos (1716)

ouvir

A arte é a maneira do homem expressar a beleza e, como dizia São Tomás, a beleza é splendor veritatis (o esplendor da verdade). Por isso tudo o que é belo remite a Deus, pois essa beleza é reflexo da sua Beleza.

Esta música de António Lúcio Vivaldi foi curiosamente copiada a um outro autor: nem mais nem menos do que o grande Johannes Sebastian Bach. Na altura, ninguém ficava aborrecido, nem recebia taxas pelos seus discos, ainda que se tratasse de obras mestres.

O Concerto para quatro violinos de Vivaldi foi composto por Bach para claves, para que fosse tocado pelos quatro filhos músicos que teve. Lembremos que ele teve 21 filhos! Impressiona o facto de Vivaldi nunca ter ouvido falar de Bach ou da sua obra, mas copiou e reelaborou a sua música, porque reconheceu nela a sua qualidade. (Comentário por Ángel Cebolla)