30/03/2010

Um lugar para viver (Away we go)

Sam Mendes (2009)

Sam Mendes, controverso realizador de filmes como American Beauty ou Revolutionary Road, caracteriza-se principalmente por oferecer uma perspicaz e inteligente crítica à sociedade burguesa contemporânea (americana, mas, como diz ironicamente uma personagem: «se a América é assim, como serão as moscas à volta dela?»). Falta-lhe sempre, porém, uma proposta alternativa. Diante deste panorama, o que fazer?

Neste filme, temos um casal amoroso à espera do seu primeiro filho, aos 34 anos: Burt Farlander and Verona. Quando descobrem que os avós estão a pensar em mudar de continente para os próximos anos, decidem eles também mudar de cidade, à procura dum «lugar para viver», dum «lar». Esta viagem pelos velhos amigos e familiares do casal permite-nos realizar uma viagem cheia de estereótipos da família americana (um casal com cinco crianças multi-étnicas adoptadas, um casal new-age que não usa carrinhos de bebé para não puxar as crianças para longe dos pais, e ainda outras experiências mais desagradáveis).

Com grande sentido do humorismo, por vezes cínico e por vezes até amargo, o senso do surreal provoca gargalhadas, que num segundo momento levam a reflectir: quase que os falhados Farlander parecem os mais normais dentro desta espécie de jardim zoológico humano. E, assim, no fundo, esta crítica social não é destrutiva, mas positiva (em particular, na cena dos compromissos que substituem o casamento que nunca se realiza). No fundo, saímos do cinema a pensar e a sorrir.

20/03/2010

Requiem a 5 vozes, de Cristóbal de Morales (1544)

A polifonia espanhola do Renascimento associa-se naturalmente a Tomás Luís de Victória e talvez aos seus famosos Responsorios. Neste mesmo género musical trabalharam também Francisco Guerrero e Cristóbal de Morales.

Morales nasceu em 1500 e foi maestro de capela nas Catedrais de Ávila, Plasência, Sevilha, Toledo e Málaga. Durante 10 anos fez também parte do Coro Papal de Roma, onde cantou diante de todos os monarcas europeus na Capela Sixtina que Miguel Ângelo tinha acabado de pintar em 1512.

Neste contexto de beleza, de grandes catedrais, esplendor artístico e profunda fe pré-Reformada, Morales revoluciona o gregoriano com a repetição do mesmo texto em diferentes ritmos, naquilo que se conhece por «polifonia», isto é, o desenvolvimento de várias vozes, que preservam um caráter melódico e rítmico individualizado.

Esta Missa de Requiem a cinco vozes é magistral neste exploit de beleza, ecos e ressonâncias. Em particular, o Gradual «lucet» com especial brilho, assim como a tecnicamente dificílima Sequencia.

11/03/2010

Joan Baez (1941- )

Ao contrário do habitual, o tema desta sugestão é uma pessoa e a sua carreira em geral. Talvez por ter tido a sorte de presenciar o seu concerto no Coliseu de Lisboa, estou convencido de que não é uma ou outra música, um ou outro disco, que faziam justiça ao que Joan Baez é, representa e simboliza.

O seu percurso pessoal levou-a, numa infância entre Nova Iorque e Califórnia, a ouvir os discursos sobre os Direitos Civis de Martin Luther King Jr., a comprar a primeira viola com 15 anos e a a conhecer um discípulo de Ghandi, que se tornará seu principal referente político. São as belíssimas histórias que conta e identifica nas suas músicas.

Assim, misturando a beleza de músicas inesquecíveis (folk, populares e tradicionais, versões de Dylan, Cohen, Parra e outros) com um grito de libertação (americano, e portanto, como ela própria disse, com conotações quer de esquerda quer de direita), a sua pessoa é um marco dos últimos 50 anos da história da música, e não só.

Encarna um grito que está presente no coração de cada homem: «how many years can some people exist / before they're allowed to be free», «may you stay forever young», «gracias a la vida»...

08/03/2010

Slumdog millionaire

Danny Boyle (2008)

Este filme foi tão famoso e premiado que só é aqui proposto no caso em que a alguém tenha passado a oportunidade de o ver. Porque vale a pena.

O centro da história é evidente: no concurso televisivo «Quem quer ser milionário?», um jovem da Bombaim pobre ganha o maior prémio da história. «Como é que ele, Jamaal, sabe todas as respostas?», é a pergunta com que o espectador é confrontado. E tem, como no concurso, quatro opções: (a) Sabe as respostas; (b) Faz batota; (c) É a sua sorte; (d) Está escrito.

Numa história que combina, portanto, inteligência, perspicácia, destino, desejos de grandeza, e um certo romantismo, encontramos grandes interpretações, uma excelente ambientação, um ritmo narrativo muito bem elaborado e a companhia duma boa banda sonora.

Em resumo, todo o contrário da carreira cinematográfica deste realizador.