24/01/2009

Rumble fish

Francis Ford Coppola, 1983

Rusty James (Matt Dillon) é um jovem que pretende ser rebelde: gostava de ser chefe dum bando e lutar nas ruas. Só que é um falhado, não tem perfil e tudo lhe corre mal.

O seu irmão mais velho já conseguiu tudo isso tempo atrás e agora regressa: é o misterioso Motorcycle Boy (Mickey Rourke), personagem idealizada que vê a preto e branco (como nós) e do qual se diz que «não há nada que não consiga». Ainda assim, este rebelde sem nome confessa que não sabia aonde conduzir aqueles que o seguiam...

Assim, Rusty James segue um ideal que não existe, que o leva à própria destruição. Motorcycle Boy, mítico, procura uma nova libertação para os dois. O símbolo chave são uns peixes de cor que quer libertar, porque no aquário onde estão se auto-destroem. Quer levá-los ao rio e, ao passo que perde a vida nesta tentativa, é Rusty quem consegue fazê-lo, e por fim fugir com a motocicleta até ao oceano californiano, símbolo dessa liberdade realizada.

Óptima realização de Coppola, música excepcional, interpretações de talento, história difícil mas fascinante, filme fora do comum. Muito, muito bom.

21/01/2009

César Franck, Sonata para violino (1886)

São só dois instrumentos: um piano e um violino. Um deles abre um tema, que é desenvolvido pelo outro, e viceversa. A tensão aumenta e diminui continuamente, numa meditação de profundidade progressiva.

É uma sonata de amor: foi composta em honra do casamento dum seu amigo, o também compositor belga Ysaÿe. Mas o amor que descreve não é um sentimento superficial, uma paixão intensa ou um percurso instável. Descreve um drama, alegre por momentos, doce e tenro, fantástico nos vários níveis desta palavra.

Franck não é um compositor muito conhecido, ao lado de seus contemporáneos Brahms ou Beethoven. Ainda assim, teve um certo sucesso nas últimas décadas da sua vida e, nesta Sonata, demonstra uma genialidade, direi, muito actual.

13/01/2009

A Prisioneira de Teerão (Prisoner of Tehran), de Marina Nemat

Lisboa: Quidnovi, 2007, pp. 304, 16,50€

Não é genial, mas é interessante porque obriga a reflectir. Muito se fala em tolerância, em diálogo inter-religioso e em respeito pelo Islão, e este romance autobiográfico contém um pouco de cada um destes elementos, contado desde dentro.

Marina Nemat nasceu em Teerão em 1965 e viveu a Revolução Islámica de 1979. Com 16 anos foi levada para Evin, uma prisão política (provavelmente ainda existente) onde foi torturada e quase executada. Neste livro, ela recorda esse passado, um pouco como confissão e um pouco como expiação. Escreve desde o exílio, mas ama o seu País natal, a família e os amigos que lá morreram ou deixou, e até narra com ternura o seu matrimónio forçado com um empregado da prisão, condição para sair da mesma. Ela católica; o ambiente, muçulmano radical.

A história podia ser mais rija e menos feminina, dadas as condições, mas este toque da Autora tira-nos dum falso maniqueísmo e obriga-nos a observar que entre o preto e o branco há muitos matizes.

O estilo narrativo também não é genial, embora os capítulos alternados alterem a ordem cronológica da história e produzam efeitos bem conseguidos, por vezes.

06/01/2009

Assassínio na Catedral (Murder in the Cathedral), de T. S. Eliot

Lisboa: Cotovia, 1989 (1935), 122 p.

A história está já contada no título: o arcebispo Tomás Becket, santo inglês do século XII, vai ser assassinado na sua própria casa. O drama (porque se trata duma peça teatral) passa-se na mente do arcebispo e do leitor/espectador, ao ser confrontado com as personagens que aparecem. O coro das mulheres de Cantuária, em primeiro lugar, que representa a mentalidade do povo, realista, mas conservadora e pouco amiga das complicações; três padres, que mostram o caminho da santidade desde diferentes ópticas; e quatro tentadores, que mostram vários caminhos fáceis para o arcebispo, incluído a vanglória do próprio martírio.

Não me preocupa manter o suspense e não contar o fim desta peça: sabe-se já. Mas talvez o leitor/espectador não saiba ainda com quem deles se vai identificar, se deixar ao lado os seus preconceitos ou posições religiosas prévias. Os padres e os tentadores são todos convincentes, a modo de cada um...

O maior poeta inglês do século XX, pelo menos em língua inglesa, T. S. Eliot, escreveu também cinco peças de teatro, pouco conhecidas. Entre elas, esta é a primeira e a mais linear, a menos complexa e a mais facilmente compreensível pelo leitor contemporáneo. O seu estilo é tão poético que encanta; as falas tão bem estudadas e estructuradas que espantam continuamente; os símbolos ricos e imediatos (em particular as repetições do número 3 e do número 4, para o Bem e o Mal respectivamente).

Um clássico que se lê em quarenta minutos.