19/06/2009

O homem eterno (The everlasting man), de G. K. Chesterton

Lisboa: Aletheia, 2009 (1925), pp. 380, 16,00€

«Quando certa vez perguntaram a Chesterton “que livro gostaria de ter consigo se fosse um náufrago numa ilha deserta”, esperando talvez uma resposta profunda e elevada como “a Bíblia” ou “a Divina Comédia”, respondeu com o óbvio “um manual de construção de botes”.

O espanto é a atitude de quem se surpreende com admiração diante de alguma realidade ou pessoa. Não é necessariamente a realidade a ser surpreendente: simplesmente pode ser olhada desde um novo ponto de vista, que a torna assim.

Portanto, o espanto é uma reacção do indivíduo, que vemos principalmente nas crianças. E em Chesterton. Ele e os seus livros surpreendem ao leitor, porque ele próprio se deixa espantar pela realidade (...).

[Mas] o verdadeiro espanto nasce como atitude procurada, desejada. Neste livro, O homem eterno, o leitor espanta-se pela força e beleza dos exemplos, descrições e argumentos, que dão forma a esta procura.

(Do Prefácio, por Luis Miguel Hernández)

12/06/2009

Um beijo a mais (The last kiss)

Tony Goldwyn (2006)

No início deste filme, Michael (o magnífico Zach Braff) anuncia aos seus sogros que vai ser pai pela primeira vez, com certas dúvidas, ou com pouco entusiasmo. Está para fazer 30 anos, tem a mulher perfeita, é um arquitecto de sucesso. Mas, pouco depois, confessa: «Estive a pensar na minha vida ultimamente, e sinto tudo já planificado. Já não há espaço para surpresas».

Sentimentos tão na moda como este, rodeiam-se a seguir de outra série de lugares comuns, encarnados em personagens e frases muito realistas, embora terríveis: Chris (o também magnífico Casey Affleck), que não suporta mulher e filho bebé; Izzy, desesperadamente abandonado pela mulher que ama; Kenny, que reduz o amor a sexo; e os próprios sogros, numa crise matrimonial aos 60 anos.

Michael sabe qual é o caminho certo, mas a tentação aparece na figura duma colegial que o tenta seduzir...

Nesta descrição da incapacidade de assumir responsabilidades, do medo à paternidade, da dificuldade de afirmação pessoal e dos próprios valores e princípios, finalmente há esperança. Há uma figura paterna, alguém que obriga a enfrentar a realidade, a ser fiel à verdade. O sacrifício implicado neste seguimento da verdade escancarará uma porta, a porta da esperança que só a perseverança pode abrir.

05/06/2009

O grande silêncio (Die Grosse Stille)

Philipe Gröning (2005)

Para quem chegar a tempo, no Sábado 6 de Junho pode adquiri-lo com o jornal Publico, a preço económico. Mas também se encontra nas lojas.

Trata-se dum documentário sobre a vida dos monges da Cartuxa do Mosteiro de La Grande Chartreuse, nos Alpes franceses, próximo de Grenoble. O realizador lá passou 6 meses da sua vida, filmando tudo o que conseguiu. A condição era não acrescentar luz artificial, músicas ou comentários, e assim ele fez. O resultado: 3 horas de grandes silêncios e de profundas sugestões.

Quem pensar que a vida num mosteiro de clausura é desinteressante, será surpreendido pela vida que se monstra: trabalhos agrícolas, de costura, vida comunitária, liturgia e até passeios na neve. Desde o olhar poético duma discreta perspectiva, sem grandes pretensões interpretativas.

É este o aspecto mais interessante do filme, e também o seu limite: o realizador não «impõe» uma narração temporal, uma sequência lógica, um argumento. A meditação decorre no ritmo próprio do mosteiro, e o espectador tem que deixar-se arrastar por ele: pelo canto gregoriano, pelos sons da natureza, pelas poucas palavras dos ritos mostrados ou do (fenomenal) testemunho final do frade cego. E, sobre tudo, pela imagem.

Quem achou pesada a realização de Dreyer ou de Bergman, não se vai dar bem com Gröning, mas vale a pena dar-lhe uma oportunidade.