30/09/2009

Frankenstein, de Mary Shelley

Lisboa: Leya, 2009 (1818), pp. 240, 5,95€

Um «clássico da literatura» não é necessariamente um livro lido pela maioria das pessoas, nos tempos que correm. Por isso, vale a pena retomar de vez em quando alguma das obras-mestras da literatura que encontramos nos móveis velhos da nossa biblioteca.

Frankenstein é uma destas obras. Victor, um jovem cientista, anda a procura do segredo da vida. Com a ajuda de vários membros de pessoas falecidas, consegue dar vida a um Ser, de características em parte humanas e em parte monstruosas, que se esforçará sem sucesso por integrar-se no mundo, tentará vingar-se do seu arrependido «criador» e finalmente vagueará sem rumo.

A riqueza da história não é tanto o seu argumento como os seus temas: Pode o homem brincar a ser Deus? Pode o homem criar a vida e descobrir aquela faísca que a produz? Qual é o limite entre o que é humano e o que é desumano? Até que ponto é moralmente lícito criar ou ser dono dum outro ser?

São perguntas de grande alcance, que este romance coloca com originalidade, proximidade e muita ternura. Perguntas do homem de todos os tempos.

20/09/2009

Macaco, Puerto presente (2009)

Macaco é uma banda espanhola muito original no panorama musical contemporâneo. Chamam o seu estilo rocksteady: uma mistura de ritmos latinos, espanhóis e músicas étnicas. De facto, neste grupo musical reúnem-se membros de diferentes países latino-americanos e até africanos, misturando tradições e melodias de maneira inovadora, a partir duma base em Barcelona.

No País vizinho foram número 1 ao longo do Verão passado, por isso podemos esperar também algumas cedências ao esquema comercial das rádios na moda. Ainda assim, no repetitivo panorama actual, destaca-se como qualquer coisa de diferente.

A melhor frase a destacar em seus textos: «A vida é aquilo que acontece enquanto fazes outros programas».

17/09/2009

Confissões, de Santo Agostinho

Lisboa: Casa da Moeda, 2000 (398), pp. 780, 10,60€

Em sentido próprio, esta é a primeira autobiografia da história da literatura universal. Anteriormente, encontramos o discurso de defesa pronunciado por Sócrates na Apologia que escreve o seu sucessor Platão, ou o relatório das campanhas militares do geral Julius Caesar narrado nos seus Comentários. Mas Agostinho é o primeiro que põe em evidencia um percurso pessoal de toda a sua pessoa, de toda a sua vida.

Neste clássico, são memoráveis e famosas algumas páginas de extraordinária beleza. Cabe destacar a descrição da relação de Agostinho com sua mãe Mónica, que com as suas lágrimas obtém a conversão do filho; ou então as páginas sobre o seu filho Adeodato, sobre a morte do seu melhor amigo, com o qual partilhava «uma só alma»...

Dirigindo-se a Deus, escreve: «Tarde vos amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde vos amei! Vós estáveis dentro de mim, mas eu estava fora, e fora de mim vos procurava» (10,27). Ou: «Fizeste-nos para Ti e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti» (1,1).

Uma confissão é para muitos fonte de curiosidade, e sabe-se que Santo Agostinho teve muitos pecados de que se arrepender. Mas atenção: o título da obra refere-se não só à confessio peccati, à confissão dos pecados no sentido moderno, mas também à confessio laudis, a confissão do louvor a Deus. Por isso, é um clássico da espiritualidade de todos os tempos e de todas as tendências.

08/09/2009

Thomas More, de Peter Ackroyd

Lisboa: Bertrand, 2003 (1998), pp. 301, 30,00€

Recentemente, um amigo e professor italiano explicou-me porque é que os melhores biógrafos pertencem à tradição anglo-saxónica: o pragmatismo característico deles opõe-se a uma visão de corte marxista que vê a história como uma série de processos sociais, em que o indivíduo é posto em segundo plano.

Desde este ponto de vista, Peter Ackroyd é um mestre anglo-saxónico. As suas muitas obras, entre as quais se destacam as biografias literárias de figuras como T. S. Eliot ou W. Shakespeare, colocam sempre o indivíduo no centro da história. A pessoa é protagonista das suas acções, obras, e também do seu destino.

Ackroyd é também um biógrafo genial na sua escrita. Sempre com grande equilíbrio, mostra o seu domínio das fontes históricas, sem carregar o texto com demasiadas citações, a pesar de serem subjacentes ao mesmo. Em especial, é genial a escolha duma metáfora para cada capítulo, uma chave de interpretação dum período ou dum evento importante, que desenvolve como imagem simples mas poderosa.

Em particular, esta vida de Thomas More é um retrato inteligente e equilibrado duma figura polémica no seu tempo e complexa na sua evolução pessoal. A unidade da vida deste homem político desvenda-se em cada página, na ligação entre a sua implacável fé cristã medieval e o seu amor pela lei como guardiã da ordem que essa fé simboliza, na altura ameaçada pelo individualismo, a Reforma e o seu melhor amigo: o Rei Henrique VIII.