30/12/2010

Os melhores contos do Padre Brown, de G. K. Chesterton

Lisboa: Assírio e Alvim, 2010 (1911-1936), 240 pp., 16,00€

O Padre Brown é um detective na linha inaugurada por Sir Arthur Conan Doyle e o seu famoso Sherlock Holmes, e depois seguida por Agatha Christie e os seus Miss Marple, Hercules Poirot e o casal Tupence. Com uma grande diferença: enquanto todos os outros partem duma ideia racionalista das capacidades da mente humana para resolver os enigmas da realidade, Brown confia muito mais na sua observação e na sua intuição humana.

Paradoxalmente, os Contos de Chesterton concedem ao leitor muitos mais elementos para poder resolver os crimes e delitos apresentados durante a leitura. Mas, na sua resolução, quem gostar de Doyle ou de Christie vai de certeza adorar a genialidade de Chesterton.

É difícil que uma Antologia consiga pôr de acordo àqueles já leram a Obra que a seguir se tenta «resumir». No caso de uma colecção de Contos, o problema é mais fácil, porque à partida a escolha é feita a partir de narrações autónomas. Ainda assim, neste caso não acontece bem isto, porque todos os Contos do Padre Brown, que apareceram em cinco volumes de uma dezena cada um, têm muitos elementos comuns e de continuidade, que uma Antologia sempre deturpa.

Por isso, se por casa tiver uma outra colecção qualquer destes Contos, não hesite em começar por qualquer outro ponto, que poderá ser tão bom como começar por esta edição.

21/12/2010

Bella, de Alejandro Gómez Monteverde (2006)

Sem grandes interpretações e sem alguns dos clássicos elementos do cinema de Holywood, Bella é um belíssimo filme sobre a vida e sobre a possibilidade de redenção nesta vida.

Sobre tudo, não é um ingénuo filme pro-life sem mais. Apesar de que nele esteja presente a temática do aborto, é só marginalmente, porque o coração da história é a mudança de duas vidas. A partir de um encontro circunstancial entre uma mulher desesperada e um homem ainda mais desesperado, serão um para o outro um início de resposta. Se ela acabou de perder o emprego, ao mesmo tempo que descobriu uma gravidez indesejada, ele está só a tentar adaptar-se ao mundo depois de quatro anos de cadeia que quebraram a sua carreira como futebolista de sucesso. Na tentativa de se acompanharem nesse momento, uma família mexicana vem mostrar um caminho de esperança para ambos.

As músicas estão muito bem escolhidas, assim como a montagem e o crescendo dramático, em flash-back e flash-forward. E, sem um final forçadamente feliz, acaba por ser um bel filme esperançador.

15/12/2010

Eu não tenho medo (Io non ho paura), de Nicolò Ammaniti

Lisboa: Dom Quixote, 2003 (2001), pp. 192, 13,00€

«Quando era criança sonhava com frequência com monstros (…) e conseguia enganá-los». É Michele quem assim fala, uma criança de nove anos que vive no Sul da Itália e que, apesar de descobrir o mal nos adultos que o rodeiam, não tem medo nem desses adultos nem do próprio mal.

O sucesso do romance está numa narração muito bem construída, com uma tensão dramática crescente, e numa ambientação sensacional no calor estivo italiano. Mas o seu fascínio vem de dois aspectos muito sugestivos: a amizade entre crianças e o desejo de vencer o mal com o bem.

Num passeio de bicicleta, Michele encontra por acaso um buraco numa casa em ruínas, onde uma outra criança, Filippo, está presa. Não morta, como ele pensa inicialmente, mas sim esfomeada e presa por grilhões e sequestradores. «Tu e eu somos iguais», chegarão a dizer, nesta promitente ajuda que Michele oferece.

O drama cresce quando Michele descobre que são o próprio pai dele e seus amigos os protagonistas do sequestro. Mas não está disposto a ceder no seu propósito e, numa heróica cena final, demonstra não ter medo. Aliás, demonstra que nós nunca devemos ter medo.

10/12/2010

A estranha vida de Nobody Owens (The graveyard book), de Neil Gaiman

Lisboa: Presença, 2010 (2008), pp. 304, 13,00€

De facto, é uma vida estranha aquela duma criança encontrada num cemitério por um casal falecido algum século atrás. Nobody, a personagem principal do romance, é um «Ninguém», porque os seus pais e irmã foram mortos nas primeiras páginas do livro e passou a viver num cemitério, junto das personagens mais rebuscadas das várias gerações de homens e mulheres lá sepultados.

Como quase todos os romances de Gaiman, explora-se assim uma fronteira entre o mundo tal e como o conhecemos e outros mundos, em parte fantásticos e em parte muito mais reais do que as aparências do nosso dia-a-dia. A riqueza do sentido do mistério que rodeia esta história não é só sugestiva: remete para o modo de conceber a realidade, o mundo, a vida e a morte.

Talvez seja este o aspecto mais intrigante, misterioso e belo: a relação entre vida e morte que o romance problematiza. Nobody é humano e por isso cresce e desenvolve as suas capacidades, ao passo que o resto das personagens do cemitério ficam eternamente com a mesma idade e qualidades. Sem grandes filosofias ou metafísicas, o romance leva-nos por mundos que pareciam inexistentes.