23/11/2011

Restless (Inquietos)

Guus Van Sant, 2011

Segundo a Bíblia, Enoch era o nome dum neto de Adão e Eva: viveu menos anos do que todos os seus parentes, mas esses seus anos faziam um número perfeito. E este é o invulgar nome do protagonista do poético filme de Van Sant Restless, um jovem inquieto por uma série de perguntas que envolvem a morte e a fragilidade da vida, paradoxalmente ligadas a experiências de beleza e perfeição.

São temas caros ao realizador de Will Hunting, Paranoid Park ou Elephant (mas também de Milk). E são temas que não deixam tranquilo o espectador, fazendo deste título uma espécie de carta de apresentação do que se vai obter no fim da fita. Mas é um paradoxo, porque a medida que a história avança sentimo-nos atraídos pela sua verdade e beleza, compreendendo melhor aquilo que no princípio (ou no trailer) parece quase surreal.

O filme está em pé graças às maravilhosas interpretações dos jovens Mia Wasikowska e Henry Hooper, num quase contínuo primeiro plano que atinge momentos únicos. A seguir, a fotografia e a música complementa.

Uma imagem usada pode servir de chave interpretativa do filme: existe uma espécie de pássaro que canta músicas belíssimas só de manhã, e isto é, explica a protagonista, porque ao adormecer pensa que vai morrer, mas quando acorda de novo no dia seguinte canta a alegria da vida.

18/11/2011

Finding Neverland (À procura da Terra do nunca)

Marc Forster, 2004

Há autores e obras que permanecem na história da literatura e que, infelizmente, se conhecem mais de forma indirecta do que directa. É o caso dos romances de John Barrie dedicados à mítica e quase mística figura de Peter Pan, a criança que nunca cresceu.

Eis um filme que indirectamente nos aproxima quer do escritor, quer da sua genial personagem. No fundo, o seu realizador Forster pretende explorar um único tema, que encerra ambas histórias: aquela pessoal de Barrie, centrada no seu envolvimento com uma família cheia de crianças obrigadas a crescer, e aquela de Peter Pan, encarnada nalguns eventos fantásticos representados.

«Representação» é uma palavra-chave do filme: re-apresenta histórias, mitos, factos, que reconhecemos na sua universalidade. O teatro também joga um papel importante no desenrolar da acção: nele, difumina-se a fronteira entre o que é e o que poderia ser. É óbvio que neste âmbito joga-se sempre uma ambiguidade, uma espécie de contraposição entre viver o real e a fantasia; mas um olhar comprensivo saberá integrar ambas realidades humanas.

Cheio de ternura quase natalícia e com interpretações inesquecíveis de Johnny Depp e Kate Winslett, vale a pena tirá-lo do fundo das nossas prateleiras e encontrar de novo essa Terra que abre ao eterno.

05/11/2011

I confess (Confesso)

Alfred Hitchcock, 1953

«Montgomery Clift encarna neste filme o perfeito dilema que atravessa sob forma latente todo o cinema de Hitchcock: saber e não poder dizer, ser culpado do que outrem faz». Esta expressão sintética do crítico de cinema e artes visuais Olivier-René Veillon concentra o valor insuperável desta maravilhosa obra-prima.

A confissão a que faz referência o título é o sacramento católico, central no seu necessário segredo para o desenvolvimento da história, mas também a confissão das culpas, que se omite ao longo da mesma e que constitui a genialidade do suspense do cineasta inglês.

Muito simplesmente: nos cinco primeiros minutos do filme apresenta-se um sacristão que confessa um assassinato cometido pouco antes (vestido de padre), do qual o confessor será incriminado. A partir daí, o assassino sabe, o padre sabe, nós sabemos, mas todos estamos impossibilitados de mudar o rumo duma tragédia injusta.

O jovem Clift interpretou o papel da sua vida, e Hitchcock captou com maestria planos e sequências dignos de admiração.