26/03/2009

O cubo e a catedral (The cube and the cathedral), de George Weigel

Lisboa: Aletheia, 2006 (2005), pp. 151, 13,00€

Weigel escreve com grande mestria jornalística e com sabedoria multiforme. É muito simples porém a leitura dos breves capítulos/artigos que formam este breve ensaio sobre «a Europa, a América e a política sem Deus», segundo reza o seu subtítulo.

Católico activo em diversos frentes, em particular na área da ética, este biógrafo de João Paulo II é colunista regular em jornais americanos e sabe bem do que está a falar. Ao analisar polémicas como a crise demográfica, a Constituição Europeia, as relações euro-americanas, ou o declive da cultura cristã, aborda temas cheios de lugares comuns, que a sua séria investigação esclarece.

É verdadeiramente interessante o seu estudo das raízes culturais da Europa (e, por conseguinte, da América). Por exemplo, simplifica grandes problemas contemporâneos a través do estudo da prerrogativa da Igreja na luta das investiduras com Gregório VII, ou corrobora as origens do sistema democrático na eleição dos superiores dos mosteiros beneditinos medievais.

A sua interrogação principal cresce a medida que avança a leitura: «É possível construir e manter de pé uma comunidade política democrática sem os pontos de referência morais que o Cristianismo tem para oferecer?». Ao leitor cabe procurar a resposta.

15/03/2009

Gran Torino

Clint Eastwood, 2008

Politicamente incorrecta, esta reflectida visão dos Estados Unidos (cada vez mais globalizados) oferece também uma inteligente perspectiva da raiz religiosa desta nação.

Walt Kowalski, um Eastwood idoso mas na sua «dureza» característica, é um racista wasp que não suporta os vizinhos orientais que povoam o seu bairro. Nostálgico dum passado melhor, representado pelo velho carro que ele próprio contribuiu a fabricar, parece saber mais da morte que da vida. Chega a ser até divertido na sua linguagem grosseira e nos seus insultos indiscriminados.

Mas a história desenrola num fundo cristão (embora não católico). A visão do Catolicismo é positiva, representada pela figura dum padre de 27 anos, que na sua inocência até diz coisas justas. Mas Eastwood parece querer mostrar que a sua posição não chega: a experiência de guerra e a idade da personagem que encarna pensa que sabe mais.

Esta personagem, Kowalski, redescobre a sua humanidade por uma série de encontros com o «próximo», e acabará por oferecer a sua própria vida, numa cena carregada de simbolismo, quase numa identificação com Cristo na cruz. Esse plano fundamental, e a grelha através da qual fala com Thao na sua casa, reminiscente da grelha do confessionário do padre Janovich, são algumas chaves para descobrir uma América profundamente cristã, tão esquecida no Hollywood bem pensante.

12/03/2009

1984, de George Orwell

Lisboa: Antígona, 2007 (1948), pp. 314, 16,00€

Quando foi escrito em 1948, num trocadilho de números, o que para nós é hoje passado quase remoto era um futuro longínquo. Mas ainda hoje este romance futurista é um clássico da modernidade.

Mais do que utopia, deve falar-se de distopia, isto é, da criação dum mundo ideal que se torna inimigo terrível para os seus habitantes. Habitantes que, em 2009, podemos ser nós próprios.

O romance que criou a expressão «Grande Irmão», quando ainda não era possível sequer sonhar com tecnologias digitais, internet e satélites, apresenta algumas personagens que tentam fugir desse mundo distópico. São aqueles com quem tentamos identificar-nos, pois vemos que não se conformam ao totalitarismo imperante. Muito actual, dado que assistimos também hoje a certos totalitarismos disfarçados de liberdade (jornalístico, político, mediático...).

A chave de leitura: a própria humanidade, reflectida nalguns trechos tão significativos como este: «Eles [o Poder] podem-nos obrigar a dizer tudo, tudo o que entenderem... mas não nos podem fazer acreditar no que dissermos. Dentro de nós eles não entram. O fundo do coração, cujo funcionamento até para nós constitui um mistério, há-de ser sempre inexpugnável».