27/02/2009

Gata em telhado de zinco quente (Cat on a hot tin roof)

Richard Brooks, 1958

A sugestão seria nesta ocasião uma peça de teatro. Mas como hoje não se encena no nosso País, quer o texto de Tennessee Williams quer a versão cinematográfica podem ser uma boa substituição. A história não é traída pelo filme em nenhum dos seus aspectos, e a força da escrita de Williams mantém-se de forma sublime.

Trata-se de um drama que descreve o combate entre a realidade e a mentira. Algumas personagens vivem de resignação, ambição ou instintividade. Ninguém parece estar disposto a «afrontar os factos». A morte iminente do pai de família, ou a recordação duma relação amorosa com um suicida por parte do protagonista são intoleráveis: é só possível «o refúgio do álcool ou a mentira». A pesar duma resolução final do drama da «gata» protagonista, ficamos a pensar que a complexidade dos factos apresentados ainda está por se solucionar.

É, sem dúvida, a força das personagens que torna esta peça extraordinariamente bela. Brick e Maggie em particular, numa interpretação cinematográfica de excepção do recentemente falecido Paul Newman (1925-2008) e da melhor Elizabeth Taylor (1932-).

Williams deixou-nos uma chave interpretativa numa marca da peça: «Some mystery should be left in the revelation of character in a play, just as a great deal of mystery is always left in the revelation of character in life».

18/02/2009

O estrangeiro (L'étranger), de Albert Camus

Lisboa: Livros do Brasil, 2006 (1942), pp. 118, 9,00€

«Hoje morreu a mãe. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: “Mãe morta. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos”. Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem».

O primeiro parágrafo deste romance é já o seu manifesto programático: tudo é indiferente para este jovem protagonista francês, estrangeiro em Argélia (como o próprio Camus). Os vizinhos, a sua relação amorosa com Maria, o enterro da mãe... Tudo é monotonia.

Quase por acaso, assassina um árabe, pelo que será condenado a morte. Mas Meursault não tem medo dela; é insignificante, como de resto a sua vida inteira, em que nunca significaram nada os valores, a responsabilidade, o que é extraordinário.

O romance torna-se assim um interessante tratamento do famoso ennui francês, que consegue aborrecer e enjoar o leitor. Talvez por isto é um bom romance: quase que consegue fazer-nos pensar que Meursault tenha razão.

Mas é pena não haver uma proposta/resposta: com a morte do protagonista fecha-se qualquer porta à esperança.

10/02/2009

Revolutionary road

Sam Mendes, 2008

Donde pode nascer a esperança? No caso desta história, a pergunta coloca-se a um jovem casal, com filhos e uma vida acomodada, que começa a perder o entusiasmo dos ideais da juventude.

Parece que esses ideais podem ser reconquistados. São apresentados como uma mudança de vida, uma viagem a Paris, certas imagens do passado, a chama do amor apaixonado. Ela, April, relembra o aspecto verdadeiro desse entusiasmo, desse desejo de viver até ao fundo. Ele, Frank, reconhece: «Eu quero sentir as coisas, senti-las realmente».

E, de novo, April, insiste: «Ninguém pode esquecer a verdade, Frank». Só que para ela, a medida que o filme avança, esse ideal torna-se sonho: um projecto na sua imaginação que pouco tem a ver com os factos, com a realidade. E Frank, no meio do drama, dá-nos a chave da história: a verdade comporta «a espinha dorsal para não fugir das responsabilidades».

Destaca-se no filme a música. Consegue criar uma atmósfera cada vez mais dramática, sem excessos. Extraordinárias algumas cenas onde o meditativo tema principal se repete por muitos minutos, deixando em segundo plano as conversas ou situações.

Por último, um destaque também para di Caprio e Winslet, não nomeados para aquela farsa chamada «Óscar». Como não vi Titanic, resultam-me muito genuinos e polifacéticos em Revolutionary Road.

01/02/2009

A sangue frio (In cold blood), de Truman Capote

Lisboa: Dom Quixote, 2006 (1966), pp. 400, 10,00€

Truman Capote declarou ter inventado um novo género literário com este romance: a non-fiction novel. Isto é: um romance baseado em factos históricos, quase jornalístico. Daí a sua originalidade e fama.

É uma grande pretensão, mas sobre tudo é falsa. É evidente que Capote escolheu e determinou o estilo do narrador, a organização temporal, a justaposição de episódios, as descrições, o argumento e, acima de tudo, o tema principal.

A história é real: de facto, Perry Smith e Dick Hickock, os protagonistas do romance, assassinaram quatro membros da família Clutter numa vila americana chamada Holcomb e foram condenados a morte. Capote faz-nos entrar com mestria na vida desta família, desde o dia anterior ao início destes acontecimentos, e faz-nos acompanhar o processo judicial dos acusados nesse estilo pretensamente «frio». São frios os assassinos, é fria a descrição, e por isso fascina-nos a sua aparente objectividade. Mas Capote manipula a história para obter esses efeitos literários que fazem deste um bom romance.

O tema é actual e interessante: trata-se duma crítica ao estilo de vida americano, injusto no tratamento da tragédia desta família, assim como no uso da pena de morte, que acaba por não resolver problema algum. A visão de Capote é pessimista e ateia, mas é inteligente e perspicaz. Vale a pena.