27/10/2008

A estrada (The road), de Cormac McCarthy

Lisboa: Relógio D'Água 2007, 192 pp., 14€

Um mundo sem Deus, sem destino, sem sentido, sem porquê, sem beleza, sem humanidade. Tudo vai unido, porque se falhar um destes elementos, os outros não podem existir.

Por contraste, apercebemo-nos de que o nosso mundo, este mundo, é belo, comove-nos, porque nele tudo está ordenado inteligentemente em nosso favor. Até quando não reparamos. Embora não reparemos habitualmente.

Arrepiante desde a primeira página, um pai e um filho caminham por uma estrada. Não percebemos o que se passa, mas tudo é diferente: «the end of the world as we know it». Dialogam, percebemos que o filho é alguém especial. Será que têm uma missão? Vale a pena tentar descobrir.

Assim falaram deste livro no Guardian: «Emotionally shattering... The Road affirms belief in the tender pricelessness of the here and now. In creating an exquisite nightmare, it does not add to the cruelty and ugliness of our times; it warns us how much we have to lose... Beauty and goodness are here aplenty and we should think about them. While we can».

22/10/2008

Jason Mraz, We sing, we dance, we steal things (2008)

Não é provavelmente o melhor de Jason Mraz. A medida que a carreira e a fama deste artista do West americano crescem, é maior o peso da producção e dos arranjos, que nem sempre permanecem imunes ao fácil e ao comercial.

Ainda assim, sabemos que Mr. A-Z, ou Waiting for my rocket to come, também não eram tão poderosos como as versões ao vivo das músicas neles incluidas. Pena é que a digressão de Mraz se limite aos Estados Unidos, pelo menos no que já está programado.

Neste disco, como nos passados, assistimos a um banho de positividade. Letras simples, sugestivamente poéticas, escondem sempre histórias, pessoas, aventuras, nas quais Mraz destaca sempre um olhar positivo e valorizador da experiência humana. Ele próprio confessa-o nos seus concertos: não há ninguém que lhe passe ao lado que não acabe por se tornar parte de uma sua música. E isto é agradável ao ouvinte atento: encontramo-nos descritos, junto com os nossos sonhos, amigos, amores, recordações do passado.

Uma amostra: o início da primeira faixa:

Wake up everyone

how can you sleep at a time like this

unless the dreamer is the real you

Listen to your voice

the one that tells you to taste past the tip of your tongue

leap and the net will appear

I don't wanna wake before

the dream is over

I'm gonna make it mine

18/10/2008

Burn after reading (Queimar depois de ler)

Joel & Ethan Coen, 2008

Diz-se nos cartazes que é uma comédia, mas alguns saem do cinema sem saber muito bem. «Inteligence is relative» é a pista que nos leva a pensar, nos primeiros minutos do filme, que se trata duma série de personagens um pouco peculiares, com vidas e histórias que nos farão rir durante 90 minutos.

Mas a medida que a trama se faz mais clara (e está muito bem construída), o humor torna-se mais negro e o espectador inteligente descobre que as personagens vivem verdadeiros dramas. Estão imersos na burocracia da CIA, na superficialidade de quem está disposto a vender tudo por uma cirugia estética, na fobia de quem se acha perseguido por grandes complots internacionais.

É como uma tragédia grega contemporánea, onde as personagens são conduzidas pelo destino a um fim que não desejam (para algum deles até irreversível).

Não saberíamos fazer melhor, pensamos nós. E saimos do cinema a pensar, que não é pouco hoje em dia: se a nossa sociedade está condenada ao desastre total, se poderíamos fazer alguma coisa para melhorar, se o mundo é mesmo assim.

A destacar o papel de Brad Pitt, normalmente pouco arriscado ou original, que neste filme é sem dúvida o mais divertido.

13/10/2008

Ortodoxia, de G. K. Chesterton

Lisboa: Aletheia 2008 (1908), 200 pp., 16€

Na sua Autobiografia, G. K. Chesterton afirma que «até na época em que eu não acreditava em nada, acreditava naquilo que alguns chamam "o desejo de acreditar"». Por isso, a Ortodoxia, que hoje aparece numa nova edição portuguesa e publicada originalmente antes da sua conversão «oficial», no fundo é tão ortodoxa como os seus últimos escritos.

Nesta obra, o genial autor británico faz uso da sua característica ironía, sempre simpática e fácil de ler, e dos paradoxos que lhe deram fama internacional. Nela afrontou temas actuais na passagem do século XIX ao século XX, que curiosamente são também de grande actualidade nos nossos dias. Quase ensaio, quase transcrição de linguagem falada, não deixa indiferente ao leitor desejoso de se interrogar pelos grandes problemas da convivência social e das relações humanas.

Como amostra, um breve fragmento que circula nestes dias entre os amigos:

«É fácil ser louco; é fácil ser herege. É sempre fácil permitir que o século leve a sua avante; o difícil é resistir-lhe.

É sempre fácil ser moderno; como é fácil ser pretensioso. Teria sido realmente muito simples cair em qualquer das armadilhas simples do erro e do exagero que moda após moda e seita após seita montaram no caminho do cristianismo.

Cair é sempre simples; a pessoa pode cair num número infinito de posições, mas só pode permanecer de pé numa posição. A coisa mais óbvia, a atitude mais domesticada, teria sido efectivamente deixar-se levar por qualquer desses caprichos, desde o gnosticismo até ao cientismo cristão.

Tê-los evitado é que foi uma espantosa aventura; na visão que eu tenho dos factos, o carro dos céus avança estrepitosamente pelos tempos fora, as domesticadas heresias vão cedendo e prostrando-se, a selvagem verdade progride titubeando, mas sem nunca cair».