28/04/2012

Margarita e o Mestre, de Mikhail Bulgákov

Lisboa: Relógio d'Água, 2007 (1966), pp. 366, 25,00€


«Um facto, como se costuma dizer, sempre é um facto, e não se pode virar-lhe as costas sem explicações». Até quando estes factos são tão extraordinários como os descritos neste romance, que demorou mais de 10 anos a ser escrito e foi publicado só 20 após a morte do seu autor. Factos que implicam o próprio Diabo, acontecimentos trágicos na Moscovo dos anos 30, Pôncio Pilatos e um tal Ieshua Ha-Nozri.


Sobretudo na primeira parte do livro, destaca-se a força manipuladora do poder estabelecido: com efeito, todas as personagens que se confrontam com estes factos e se implicam neles são postas num manicómio. Há milícias, delatores, guardiães, que se esforçam em manter a ordem que tais factos quebram, e que portanto eliminam ou limitam a liberdade daqueles que os presenciam.

Na segunda parte, que focaliza as personagens que dão título ao romance, esse tema deixa espaço à liberdade em acção de pessoas irredutíveis, à tenacidade de quem não se contenta com o que é politicamente correcto, mas alimenta grandes desejos ideais. Todo um desafio para a Rússia de Estaline e para a Europa do século XXI.

21/04/2012

Doutor Jivago, de Boris Pasternak

Lisboa: Sextante Editora, 2010 (1957), pp. 562, 29,90€

Um dos grandes romances da literatura do século XX, um dos grandes romances russos de sempre: um clássico.

A um leitor ocidental contemporâneo chama a atenção a grande quantidade de personagens do romance (algumas edições até contêm um índice de nomes). São centenas deles, cada um com nome, apelido e patronímico, cada um com a sua história, com o seu percurso de vida único e irrepetível. Como os numerosos comboios do romance, cada um com o seu itinerário e as suas paragens, com o seu destino.

De facto, este parece o tema predominante do romance, além das histórias pessoais dos seus protagonistas principais, humanas e fascinantes. Num contexto de socialismo, de estatalismo uniformador, de colectivização e de alienação do indivíduo, Pasternak faz emergir o «eu» de cada ser humano, na sua maravilhosa unicidade. E faz perceber como é a pessoa quem protagoniza a história, e não os sindicatos, a Revolução de Outubro ou o regime soviético.

Com uma visão muito afastada de qualquer moralismo ou lógica do sucesso, Pasternak apresenta, de facto, uma realidade cativante que produz a adesão simples aos factos, à vida. Não é por acaso que a tradução literal do apelido do protagonista, Jivago, significa «o vivente».

18/04/2012

O lado longínquo do mundo (Master and comander)

Peter Weir, 2003

Um navio inglês percorre os mares da costa do Brasil e das Ilhas Galápagos no início do século XIX, desafiando as condições meteorelógicas e, sobretudo, o barco inimigo das frotas francesas de Napoleão. Não é só necessário defender a própria vida, mas também uma missão: «Este barco é Inglaterra», chega a dizer o capitão num dos seus discursos à tripulação.

Neste contexto, o bom ritmo do filme leva-nos a viver numerosas aventuras no estilo próprio da época. Mas o fascínio desta viagem provém principalmente do seu capitão, muito bem interpretado por Russell Crowe. Dá vida e fundamento ao filme a sua forma de governo, que valoriza os talentos de cada um dos seus homens, que ajuda a crescer a cada um à sua maneira, que se mostra sempre viril nas suas decisões, que por vezes vive o drama das escolhas responsáveis, e que sempre tem como prioridade a coesão dos seus homens.

Vê-se assim que é sempre necessário um capitão, alguém a quem seguir, mesmo (ou sobretudo) nas contrariedades.