23/10/2011

Sophia de Mello Breyner (1919-2004)

Quase que dizia que é a maior poetisa a nivel universal de todos os tempos. Mas é ainda mais do que isso. É luz que ilumina a experiência humana.

Baste o seguinte texto, que descreve o seu modo de entender a arte poética, para incentivar a leitura de todos os seus livros de poesia, ensaio, contos...

«A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro do qual estava, poisada em cima de uma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu descobria. Mais tarde a obra de outros artistas veio confirmar a objectividade do meu próprio olhar. Em Homero reconheci essa felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas. E também a reconheci intensa, atenta e acesa na pintura de Amadeo de Souza-Cardoso (…).

«Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do amor e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor (...)».

04/10/2011

Pela estrada fora (On the road), de Jack Kerouac

Lisboa: Relógio d'Água, 2011 (1955), pp. 344, 19,00€

«“We gotta go and never stop going till we get there” “Where we going, man?” “I don't know but we gotta go”». É talvez o mais célebre diálogo, não só deste romance, como de toda uma geração. Chamada nos anos 50 e 60 de geração beat, descreve os grupos de jovens «rebeldes» à volta do jazz, a marijuana e o amor livre.

Lançados pelas estradas dos Estados Unidos, vão, andam, sem parar, mas também sem saber aonde. Aliás, no desenvolvimento deste romance paradigmático deste movimento literário, percebe-se que a chegada ao ponto prefixado é quase que uma tragédia: a monotonia e o burguesismo contra o que se rebelam.

Se bem toda esta imagística está hoje superada, há no livro belíssimas sugestões ideais, que infelizmente também ficaram obscurecidas pelo cepticismo contemporâneo. Exemplos: «Tenho seguido ao longo de toda a vida as pessoas que me interessam, os loucos, os loucos por viver, loucos por falar, loucos por ser salvos, desejosos de tudo ao mesmo tempo». «Tentava comunicar-lhe a minha excitação sobre a vida e sobre as coisas que poderíamos fazer juntos. Estávamos deitados, olhando para o tecto e perguntando-nos o que teria Deus pensado para fazer a vida tão triste». «Nunca me senti melhor e mais feliz com o mundo e olhando para crianças maravilhosas que brincam ao Sol»...