31/01/2014

Rush – Duelo de rivais (Rush)

Ron Howard, 2013
Numa das cenas finais de Rush, assistimos ao habitual desafio entre os heróis da história e surpreendemo-nos a querer que nenhum deles perca o duelo. É então que nos apercebemos que estamos perante uma narrativa diferente: deixando atrás a fácil oposição bons-maus, aqui reconhecemos pessoas reais, seres humanos com virtudes e defeitos, apresentados com uma genuína simpatia.
A carga emotiva desta viril encenação, ajudada por uma realização e produção brilhantes, é enorme. Se bem que vejamos algumas corridas e muitos cenários de oficinas e circuitos de fórmula um, na realidade o centro dramático são as alegrias e dificuldades nas vidas dos dois pilotas (Nikki Lauda e James Hunt). Vidas por vezes contrapostas, rivais, sempre respeitosas, por momentos até aliadas, numa conclusão que mostra como há sempre alguma coisa a aprender, mesmo do nosso pior inimigo.

18/01/2014

O ofício de viver, de Cesare Pavese

Lisboa: Relógio d'Água, 2004, pp. 400, 19,90€
Ao usar o adjectivo «erudito» aplicado a um Autor, por vezes é hoje revestido duma conotação negativa, como se o vasto saber fosse uma espécie de má-criação para um leitor que se desclassifica como medíocre.
Eruditos e geniais são certamente os diários do romancista e poeta italiano Pavese recolhidos nesta obra. Percorrendo os últimos 15 anos da sua vida, entre 1935 e 1950, esta figura chave da literatura europeia do século XX reflecte sobre a criação literária, o sofrimento, as suas leituras, a procura de sentido, o peso das palavras, entre outros muitos temas. Abordam-se esses temas de forma muito fragmentária, dado que as entradas de diário são geralmente breves, mas alguns deles repetem-se e reaparecem com renovada maturidade.

A forma do diário permite percorrer a vida pública deste escritor, ao passo que se entra na sua intimidade. Vai abrindo-nos o olhar à realidade que observa e descreve, que diz ser muito maior do que ele, e confessa que o faz tendo já perdido a batalha, porque «nunca se viu que uma poesia mudasse as coisas». Com momentos de profundidade insólita, nas suas reflexões laicas e sem fé à procura de si mesmo, é uma leitura que não deixará indiferente a ninguém.


05/01/2014

A vida secreta de Walter Mitty (The secret life of Walter Mitty)

Ben Stiller, 2013
Os títulos de crédito duram mais de cinco minutos, depois de duas horas de filme; mas a sua estética, a música que os acompanha, a beleza que preencheu os olhos do espectador e as perguntas que lhe ficam no fim da história tornam-nos quase breves. Até quem veio sem grandes expectativas, não pode deixar de ficar espantado por uma originalidade mais do que interessante em qualquer um dos aspectos mencionados.
De difícil classificação, não é de admirar que a crítica se tenha dividido perante a quinta realização de Ben Stiller. Sempre num tom cómico e descontraído, o realizador americano abandona desta vez o registo superficial das divertidas Zoolander ou Tempestade tropical, para nos levar a uma procura da identidade dum homem «cinzento como um pedaço de papel», que por vezes se perde numa realidade paralela.
Porém, a vida confronta a personagem de Walter Mitty com as suas dificuldades (o fecho da empresa onde trabalha, a perda dum valioso objecto, a sua timidez perante um amor que nasce) e ele, cada vez mais realista e menos sonhador, embarca-se numa série de aventuras para alcançar um ideal superior, que entrevê desde o princípio da sua «vida secreta». Paisagens (e fotografia) maravilhosas na Islândia, uma viagem impossível de helicóptero, idas e regressos a casa, tornam fascinante o percurso deste sonhador, com o qual não só é fácil criar empatia, como até identificarmo-nos.